
19 jun 2017 Tapeçaria de Tomie Ohtake que pegou fogo vai ser restaurada
Uma das obras mais importantes da artista Tomie Ohtake está sendo refeita. É uma tapeçaria de 800 metros quadrados. Isso porque a original foi destruída no incêndio do Memorial da América Latina, em 2013. E quem vai cuidar desse trabalho minucioso é uma tecelagem familiar.
O céu é de 2017, mas o trabalho no galpão é praticamente o mesmo de mais de 20 anos atrás. Com as mesmas antigas e supercompetentes máquinas de costura. Tanto que em vez de uma chegam a ter até 162 agulhas.
Assim, dá para fazer coisa de 400 peças por mês; tapetes bem familiares. Não porque lembram alguma coisa, mas porque quem manda é uma única família. O seu Mário, a dona Vilma, o filho dos dois, Marinho, e a irmã dele, Vivian, que juntos trabalham bem porque só trabalham no trabalho.
“Se tem alguma coisa para resolver, deixa pro primeiro dia útil ou se é final de semana pra segunda-feira”, diz o empresário Mario Pisaneschi.
Então porque outras famílias também não poderiam fazer a mesma coisa? Na linha de produção tem o Jonas, que é irmão do Francisco. A Ivone, que é esposa do Natanael. A Mary, que é irmã da Francisca. E é justamente a tanto sangue do mesmo sangue que eles atribuem o sucesso da empresa.
“É mais difícil um familiar querer prejudicar o outro, puxando o tapete do outro. Literalmente”, disse dona Vilma Pisaneschi.
Mas uma família em especial ganhou um presente bastante importante. É a Madalena, que é a tia do Júnior, que é sobrinho da Neia, que é irmã da Adriana, filha da dona Tereza. Além de todos eles trabalharem no mesmo lugar, eles agora estão trabalhando no mesmo projeto, e que projeto: produzir o maior tapete que a fábrica já fez.
Depois de pronto, ele vai poder cobrir quase todo o galpão da fábrica. Um absurdo de obra de arte assinada simplesmente por Tomie Ohtake, uma das mais importantes referências das artes plásticas brasileiras.
O tapete está sendo produzido exatamente nos mesmos moldes de um outro, feito em 1989. Quer dizer, nos mesmos moldes mais ou menos, porque a fabricação original dividiu a obra em centenas de pedaços de um metro quadrado, que foram emendados e formaram a enorme tela de antes, que decorava o auditório do Memorial da América Latina, em São Paulo.
Mas em 2013, o lugar pegou fogo, e a peça também. A empresa que fez o original nem existe mais. Aí, refazer a obra, para ser colocada na mesma parede de antes, que também está sendo reconstruída, virou assunto de família. E como a artista já não está mais viva, quem coordena os trabalhos de agora, claro, é alguém da família dela.
“Parece um mutirão, multi-familiar do pessoal trabalhando nisso, o que eu acho um jeito muito interessante de fazer o trabalho”, disse o filho de Tomie, Ricardo Ohtake.
É ele quem garante que o riscado a mão do desenho de agora seja fiel ao original, e que o novo tapete tenha exatamente as mesmas cores dos poucos pedacinhos que sobraram do antigo que queimou. E com uma novidade: a ousadia dessas famílias fez com que o de agora seja feito numa única, gigantesca e impressionante peça.
“Porque é muito melhor, muito mais bonita e também porque é um grande desafio. Acho que o que nos move, o que nos dá a grande chama que a gente faz são os desafios”, explica o empresário Mário Pisaneschi Júnior.
Com contornos curvos bordados à mão por 20 pessoas, são 800 metros quadrados, que vão demorar 200 dias, ao custo de R$ 1,840 milhão. Mas o governo disse que não tinha dinheiro para pagar. E quando a gente está sem grana, para quem que a gente corre primeiro? Para os parentes. E como a gente está em família, eles deram um jeitinho de não cobrar nada.
“Uma doação que foi feita pelo nosso fornecedor de fios, uma empresa multinacional, mas nossa grande doação é a mão de obra, é nossa expertise, e é o grupo de funcionários que nós temos atuando nessa peça”, conta Mário Pisaneschi Júnior.
Uma grande família, de várias famílias, que juntas se transformaram em artistas na maior tela que todos já viram na vida.
Fonte: G1 – Jornal Nacional – Edição 16/06/2017